A Índia das 'meninas perdidas'
Já é quase dia e ainda pode-se ouvir os gritos que vêm de dentro do pequeno barraco. Homens do lado de fora fumam sem parar, a fim de controlar a ansiedade. Lá dentro, a jovem, quase menina, experimenta horas de dores até finalmente ver seu bebê nascer.
A parteira pega a criança e, com olhar de desprezo diz: "Sinto muito, é uma menina". Os homens da família tentam consolar o pai, que fica arrasado. Batendo no peito, ele grita aos deuses perguntando o que foi que ele fez para merecer isso. Minutos depois, em uma cerimônia assustadora, o pai levanta a criança inocente nos braços e, antes de afogá-Ia em um barril de leite, diz: "No ano que vem, você será um menino".
Andando pelas ruas de qualquer cidade da índia, é impossível não notar a falta de mulheres. O número de homens que se vê é muito maior. Indianos de classe alta afirmam que a prática de se matar meninas já não é mais tão comum, mas a realidade mostra outra coisa.
Para tentar acabar com essa chacina, o governo proibiu a realização de ultrassom para saber o sexo do bebê. Porém, o apelo de clínicas clandestinas e a realidade social falam mais alto. Em qualquer cidadezinha mais remota da índia, estas clínicas fazem o exame por apenas 10 dólares e, com uma taxa adicional, já fazem o aborto se o feto for do sexo feminino. Alguns desses lugares fazem a seguinte propaganda: "Pague 500 rúpias agora e economize 50 mil no futuro", fazendo referência ao dote que o pai da noiva precisa dar à família do noivo no casamento.
Quando a família arranja um casamento para a menina, um valor combinado deve ser pago para a família do noivo. Quando isso não acontece devidamente, a noiva corre o risco de ser queimada viva em um ato desumano chamado bride-burning, que pode ser traduzido por "queima da noiva".
Em alguns casos, quando o dinheiro do dote acaba, ou é insuficiente, o noivo e sua mãe passam a considerar a noiva indesejável e os maus-tratos começam até que, em último caso, o noivo mata a esposa para poder se casar com outra mulher.
O termo bride-burning começou a ser usado porque essas mulheres geralmente morrem na cozinha, enquanto preparam a refeição da família. Alguém despeja querosene no ambiente, e outro acende o fósforo. A morte é reportada como "acidente doméstico" com o fogão à lenha.
Dados oficiais do governo da índia apontam 7 mil casos de bride-burning por ano. ONGs afirmam que é o dobro - um artigo chega a falar em 25 mil mortes.
Além da prática de assassinato, é comum a tortura dessas mulheres. Algumas são tão agredidas pela família do noivo que se tornam portadoras de deficiências físicas, com ainda mais dificuldade para trabalhar duramente, como é esperado delas.
O sistema de castas torna a vida das mulheres indianas ainda mais difícil. As mulheres dalit, da casta mais baixa, são as que mais sofrem. São consideradas inferiores aos cães, e "intocáveis", por serem impuras. Mesmo assim, têm sido exploradas sexualmente e são as maiores vítimas da AIOS.
Mulheres dalit não têm direito ao estudo nem ao sistema de saúde. Do total, 90% trabalha na agricultura e são chamadas de servas. Elas também são obrigadas, pela religião e tradição, a limpar os restos dos animas das ruas, sem receber nenhum pagamento por isso. Trabalham muito mais que os homens da mesma casta, mas ganham bem menos que eles.